quarta-feira, 7 de maio de 2008

Ser ou não ser de ninguém. [Arnaldo Jabor]


"Na hora de cantar, todo mundo enche o peito nas boates, nos bares, levanta os braços, sorri e dispara, eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também. No entanto, passando o efeito do uísque com energéticos e dos beijos descompromissados, os adeptos da geração tribalista se dirigem aos consultórios terapêuticos, ou alugam os ouvidos do amigo mais próximo e reclamam de solidão, ausência de interesse das pessoas, descaso e rejeição.

A maioria não quer ser de ninguém, mas quer que alguém seja seu. Beijar na boca é bom?! Claro que é! Se manter sem compromisso, viver rodeado de amigos em baladas animadíssimas é legal?! Evidente que sim. Mas por que reclamam depois?! Será que os grupos tribalistas se esqueceram da velha lição ensinada no colégio, onde para toda ação existe uma reação. Agir como tribalistas tem conseqüências, boas e ruins, como tudo na vida... Não dá, infelizmente, para ficar somente com a cereja do bolo - beijar de língua, namorar e não ser de ninguém. Para comer a cereja é preciso comer o bolo todo e nele, os ingredientes vão além do descompromisso, como: não receber o famoso telefonema no dia seguinte, não saber se está namorando mesmo depois de sair um mês com a mesma pessoa, não se importar se o outro estiver beijando outra, etc, etc, etc.

Embora já saibam namorar, os tribalistas não namoram. Ficar, também é coisa do passado. A palavra de ordem hoje é namorix. A pessoa pode ter um, dois e até três namorix ao mesmo tempo. Dificilmente está apaixonada por seus namorix, mas gosta da companhia do outro e de manter a ilusão de que não está sozinho. Nessa nova modalidade de relacionamento, ninguém pode se queixar de nada. Caso uma das partes se ausente durante uma semana, a outra deve fingir que nada aconteceu, afinal, não estão namorando. Aliás, quando foi que se estabeleceu que namoro é sinônimo de cobrança?A nova geração perga liberdade, mas acaba tendo visões Unilaterais. Assim como só deseja a cereja do bolo tribal, enxerga somente o lado negativo das relações mais sólidas. Desconhece a delícia de assistir a um filme debaixo das cobertas num dia chuvoso comendo pipoca com chocolate quente, o prazer de dormir junto abraçado, roçando os pés sob as cobertas e a troca de cumplicidade, carinho, amor. Namorar é algo quer vai muito além das cobranças.

É cuidar do outro e ser cuidado por ele, é telefonar só para dizer bom dia, ter uma boa companhia para ir ao cinema de mãos dadas, transar por amor, ter alguém pra fazer e receber cafuné, um colo para chorar, uma mão para enxugar lágrimas, enfim, é ter alguém para amar. Já dizia o poeta amar se aprende amando e se seguirmos ser raciocínio, esbarraremos na lição que nos foi passada nas décadas passadas: relação é sinônimo de desilusão.Talvez seja por isso que pronunciar a palavra namoro traga tanto medo e rejeição. No entanto, vivemos em uma época muito diferente daquela em que nossos pais viveram. Hoje podemos optar com maior liberdade e não somos mais obrigados a comer sal junto até morrer. Não se trata de responsabilizar pais e mães, ou atribuir um significado latente aos acontecimentos vividos e assimilados na infância, pois somos responsáveis por nossas escolhas, assim como o que fazemos com as lições que nos chegam. A questão não é casual, mas quem sabe cor relacional.

Podemos aprender a amar se relacionando, trocando experiências, afetos, conflitos e sensações. Não precisamos amar sob os conceitos quer nos foram passados. Somos livres para optar! E ser livre não é beijar na boca e não ser de ninguém. É ter coragem, ser autêntico e se permitir viver um sentimento...

É arriscar, pagar pra ver e correr atrás da felicidade. É doar e receber, é estar disponível de alma, para que as surpresas da vida possam aparecer. É compartilhar momentos de alegria e buscar tirar proveito até mesmo das coisas ruins.

Ser de todo mundo e não ser de ninguém é o mesmo que não ter ninguém também... É não ser livre para trocar e crescer... É estar fadado ao fracasso emocional e à tão temida solidão. "